ARTIGO PARA A REVISTA DA ABHO


Saúde e Higiene Ocupacional para Profissionais da Saúde

Berenice Goelzer

Os estabelecimentos para cuidados de saúde (como hospitais, clínicas, laboratórios) são locais de trabalho como quaisquer outros (fábricas, minas, padarias, sítios de construção), e seus trabalhadores (como médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, auxiliares, pessoal de laboratórios de análises e de preparação de medicamentos) devem ser protegidos contra todos os possíveis riscos para sua saúde. O objetivo deste artigo é o de alertar para a importância da saúde ocupacional, incluindo a prática da Higiene Ocupacional, no setor da saúde. Os comentários sobre os diversos riscos são apresentados como exemplos de um universo muito maior, visando apenas a enfatizar a importância e a abrangência do problema.

Muitos estudos e publicações sobre Profissionais da Saúde, inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS), se atêm a aspectos como número (relativo a número de pacientes), treinamento, etc., enfim, a aspectos que visam ao bom atendimento dos pacientes. Entretanto, é essencial pensar na proteção desse grupo de trabalhadores, em vista dos muitos riscos ocupacionais a que podem ser expostos. Muitas vezes parece que os responsáveis pelos trabalhadores de saúde, e até eles próprios, acreditam que esse grupo é “imune” a doenças e acidentes de trabalho. Geralmente têm maior preocupação com a saúde e bem-estar de seus pacientes do que com a deles próprios. Só em anos mais recentes têm aparecido diretrizes internacionais nesse sentido.


A “Global Occupational Health Network Newsletter” da OMS dedicou, em 2005, uma edição a Profissionais da Saúde (GOHNET, 2005). O relatório da OMS “2006 World Health Report - Working Together for Health” (Relatório Saúde no Mundo 2006 - Trabalhando Juntos para a Saúde) chamou atenção não só para a falta de Profissionais da Saúde (crítica em 57 países), mas também para a necessidade de apoio e proteção a eles. Segundo a OMS, estabelecimentos de saúde no mundo empregam mais de 59 milhões de trabalhadores, que podem estar expostos a múltiplos riscos para a saúde, diversos e complexos, devidos a, por exemplo:

  • agentes biológicos, como clostridium e estafilococos e aos agentes etiológicos da tuberculose, Hepatites B e C, AIDS, SARS;

  • agentes químicos, como, por exemplo, glutaraldeído, óxido de etileno, quimioterápicos antineoplásicos, látex;

  • agentes físicos, como radiação, ruído;

  • fatores ergonômicos, como levantar pesos excessivos;

  • fatores psicossociais, como trabalhos em turnos, estresse e violência.

Além disso, existem também riscos para a segurança, por exemplo, riscos de acidentes (como quedas), de fogo e explosões (quando usando oxigênio, certos solventes e agentes desinfetantes) e riscos elétricos.

A aplicação do paradigma da Higiene Ocupacional nesses estabelecimentos, apesar de essencial, é feita em poucos casos. Além da importância de protegê-la, uma força de trabalho de saúde saudável contribui para um melhor atendimento dos pacientes. Inclusive muitas das medidas preventivas contra agentes ambientais protegem ao mesmo tempo todo o quadro de funcionários e pacientes.

Obviamente, nesse setor de atividade, os riscos biológicos são muito importantes. O Plano Global de Ação da OMS para a Saúde dos Trabalhadores pede aos países membros que desenvolvam programas nacionais de saúde ocupacional para os Profissionais da Saúde, incluindo imunização quando for o caso. Segundo a OMS, 37% dos casos de hepatite B em Profissionais da Saúde são devidos à exposição ocupacional. Apesar de a vacinação poder prevenir 95% dos casos de hepatite B, menos de 20% dos Profissionais da Saúde em algumas regiões do mundo receberam as três doses necessárias para imunização. Medidas preventivas rigorosas são essenciais para prevenir exposição ao vírus da AIDS e as mesmas medidas protegem contra todas as doenças transmitidas pelo sangue. Um conjunto importante de documentos internacionais é apresentado no site da OMS sob: “Protecting Healthcare Workers: Preventing needlestick injuries toolkit” (OMS, 2005), abrangendo o “Joint ILO/WHO Guidelines on Health Services and HIV/AIDS” (OMS/OIT, 2005) e o documento conjunto da OMS e do ICN (Conselho Internacional de Enfermagem) sobre prevenção de acidentes com perfurocortantes (Wilburn e Eijkemans, 2004).

Quanto aos agentes químicos, as exposições são muito mais preocupantes do que parecem. Por exemplo, um estudo liderado por “Physicians for Social Responsibility” (Médicos pela Responsabilidade Social), intitulado “The Hazardous Chemicals in Health Care” (Produtos Químicos Perigosos nos Cuidados de Saúde), demonstrou, por meio de monitorização biológica, a exposição de médicos e enfermeiros a vários produtos químicos utilizados em estabelecimentos de saúde, incluindo: bisfenol A, mercúrio, compostos perfluorinados, ftalatos, éteres difenílicos polibromados e triclosan. Apesar de se basear em uma amostra reduzida (12 médicos e 8 enfermeiros), esse relatório pioneiro serve de alerta quanto à necessidade de implementar programas sérios de prevenção da exposição aos agentes estudados e aos muitos outros produtos químicos que podem estar presentes no setor da saúde. Alguns desses agentes podem ser altamente tóxicos (genotóxicos, disruptores endócrinos, cancerígenos), portanto, a exposição a eles deve ser evitada. Detalhes sobre os produtos, a metodologia e os resultados da monitorização biológica realizada são apresentados no relatório disponível on-line (PSR, 2009).

Dever ser lembrado que o mercúrio está sendo descontinuado graças à Convenção Internacional de Minamata (2013, ratificada no Brasil em 2017), de acordo com a qual, após 2020, não serão mais permitidos nem a manufatura nem a importação ou exportação de equipamentos de medição como termômetros e esfigmomanômetros com mercúrio. Uma resolução da Agência Nacional de Saúde (ANVISA) proíbe, em todo o território nacional, a fabricação, importação e comercialização desses produtos, com prazo até 2019 para que as empresas cumpram a medida. Entretanto, até desparecerem os equipamentos com mercúrio já existentes, muitas exposições poderão ocorrer se não houver conscientização e controle.

Outro aspecto preocupante é o dos quimioterápicos neoplásticos que podem ter efeitos sérios entre os profissionais que os preparam e os administram. Inicialmente foram registrados e estudados os efeitos agudos da exposição a esses quimioterápicos, porém, muitos estudos têm constatado a ocorrência de efeitos crônicos altamente nefastos, por exemplo, efeitos genotóxicos (com consequências como câncer e na reprodução humana). Já foi comprovado aumento da mortalidade por tumores em indivíduos trabalhando em laboratórios onde tais medicamentos são preparados.

Muitas instituições (INCA, 2015; INRS, 2018; HSE, Guia; NIOSH, 2016) desenvolveram alertas e diretrizes quanto aos riscos de exposição a quimioterápicos neoplásticos e seus possíveis efeitos sobre a saúde dos trabalhadores de saúde, bem como às medidas preventivas necessárias (ver Referências Bibliográficas).

Um estudo bem detalhado (Rodrigues Ferreira, A. et al, 2016) enfatizou um aspecto muito preocupante que é do treinamento inadequado e insuficiente do pessoal, tendo constatado que “Trinta enfermeiros participaram do estudo e 23 deles informaram nunca ter recebido capacitação para trabalhar com quimioterápicos. A capacitação dos profissionais para trabalhar com antineoplásicos é uma recomendação presente em diversas orientações internacionais e consiste em uma exigência legal no Brasil. ... Outras pesquisas brasileiras também identificaram baixa porcentagem de profissionais de enfermagem, tanto de nível superior quanto de nível médio, com capacitação para trabalhar com pacientes em terapia antineoplásica...”.

Outros agentes químicos cancerígenos também são usados em ambiente hospitalar, por exemplo, o formaldeído.

Um problema de saúde cada vez mais preocupante é a asma, inclusive a ocupacional. Muitos estudos têm comprovado aumento no risco de asma entre profissionais da saúde expostos a produtos utilizados no trabalho (Mirabelli, M.C. et al., 2007), por exemplo, luvas de látex, produtos de limpeza e desinfeção como o glutaraldeído.

Os agentes supracitados são apenas exemplos da grande variedade de agentes químicos tóxicos que podem ocorrer em ambientes de cuidados de saúde.

Deve ser enfatizado que, em se tratando de produtos químicos, fármacos e resíduos biológicos é essencial assegurar o destino correto e seguro de resíduos. No Brasil, a ANVISA tem a diretriz RDC 222 de 28/03/2018 quanto a boas práticas de gerenciamento de resíduos (ANVISA, 2018).

Quanto a agentes físicos, as radiações são de grande importância no setor da saúde, sendo esse aspecto amplamente discutido na literatura especializada. No Brasil, a FUNDACENTRO oferece excelentes informações. Uma apresentação importante está disponível on-line: “Radiação Ionizante – NR 32” (Spinelli, sem data). Obviamente outros agentes físicos, como calor e ruído, podem também oferecer risco.

Fatores ergonômicos são muito importantes para os profissionais da saúde, particularmente para aqueles cujas funções incluem transferir ou acomodar pacientes, sendo comum que tenham problemas de coluna, muitas vezes sérios, devido a pesos excessivos e movimentos incorretos; esse aspecto é amplamente discutido na literatura especializada. Em seu importante artigo sobre “Introdução à Ergonomia para Profissionais da Saúde” (Waters, 2010), Waters afirma que “profissionais da saúde que manejam e movem pacientes como parte de seu trabalho sofrem um número desproporcionalmente alto de doenças osteomusculares ocupacionais”.

Outro grupo importante de riscos é o que se refere aos fatores psicossociais, que envolvem vários aspectos que podem levar a estresse ocupacional com suas consequências, até mesmo depressão e efeitos psicossomáticos (como úlceras e problemas cardiovasculares).

Um aspecto que se soma ao problema é o trabalho em turnos, necessário para assegurar continuidade de cuidados em hospitais e outros estabelecimentos de saúde, porém, que consiste em uma sobrecarga adicional para a saúde do pessoal da saúde. Particularmente, os turnos da noite constituem uma das razões mais frequentes de distúrbios no ritmo circadiano, o que pode levar a alterações no sono e outras funções biológicas, assim afetando não somente a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, mas também o desempenho no trabalho (Ferri, P et al., 2016).


Foi realizado um estudo entre auxiliares de enfermagem e enfermeiros que trabalhavam em um hospital público de São Paulo, com o objetivo de avaliar a percepção da duração e qualidade dos episódios de sono nos dias de trabalho e de descanso, bem como dos níveis de alerta durante os turnos diurnos e noturnos de 12 horas de trabalho. Constatou-se que a sonolência no trabalho noturno é real e pode prejudicar seriamente tanto trabalhadores quanto os pacientes que estão sob seus cuidados (Fischer, F. M. et al, 2002).


Outro problema grave – e mundial – é a violência, física ou psicológica, nos locais de trabalho, sendo uma das grandes preocupações atuais no campo da Saúde Ocupacional e da Saúde Pública, pois suas consequências ultrapassam os locais de trabalho e as pessoas atingidas, refletindo-se nas famílias e na sociedade em geral. Um dos setores particularmente atingidos é o dos profissionais da saúde. De acordo com alguns estudiosos do assunto, a violência nesse setor pode perfazer cerca de 25% do total de violência em locais de trabalho. A violência na sociedade em geral tende a passar para as instituições de saúde, podendo afetar mais de 50% dos trabalhadores de saúde, mesmo em países com menor índice de violência.


Por essas razões, a Organização Internacional do Trabalho, o Conselho Internacional de Enfermagem, a Organização Mundial da Saúde e a Internacional de Serviços Públicos se reuniram para elaborar (em 2002) um Programa Conjunto sobre Violência no Local de Trabalho no Setor da Saúde (Joint Programme on Workplace Violence in the Health Sector). Duas publicações importantes relacionadas com esse programa estão indicadas nas Referências Bibliográficas (OIT, CIE, OMS e ISP, 2002, e, di Martino, V., 2003).


Os profissionais da saúde podem ser expostos a fatores ocupacionais de risco múltiplos e graves, sendo que os supracitados são apenas exemplos. A fim de proteger eficientemente a saúde desse grupo de trabalhadores, cada caso deve ser estudado, visando a prevenir todas as situações de risco a que possam estar expostos. Como em qualquer local de trabalho, o paradigma da higiene ocupacional deve ser aplicado em estabelecimentos de saúde, sendo essencial que medidas preventivas adequadas sejam aplicadas dentro de programas de prevenção e controle abrangentes, adequados e sustentáveis.


Referências Bibliográficas

ANVISA (2018) “Regulamenta as Boas Práticas de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde e dá outras providências”, RDC Nº 222, de 28 de março de 2018 Ministério da Saúde – MS, Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; disponível on-line: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3427425/RDC_222_2018_.pdf/c5d3081d-b331-4626-8448-c9aa426ec410

De Souza, C. B., Tovar, J. R., Dell’Antônio, L. R., Dourado, C. S., Amorim, M. H. C. (‎2015) “Antineoplásicos e os riscos ocupacionais para os enfermeiros: uma revisão integrativa”, Enfermería Global 14(4):296; disponível on-line:

https://revistas.um.es/eglobal/article/view/207131/181631

Di Martino, V. (2003) “Workplace Violence in the Health Sector (ILO/ICN/WHO/PSI): Relationship between work stress and workplace violence in the health sector”; disponível on-line:

https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf

Ferri, P., M. Guadi, L. Marcheselli, S. Balduzzi, D. Magnani, e R. Di Lorenzo (2016) “The impact of shift work on the psychological and physical health of nurses in a general hospital: a comparison between rotating night shifts and day shifts”, Risk Manag Health Policy. 2016; 9: 203–211, disponível on-line: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5028173/


Fischer, F. M. et al (2002) “Percepção de sono: duração, qualidade e alerta em profissionais da área de enfermagem”, Cad. Saúde Pública, vol.18, n.5, pp.1261-1269,


FUNDACENTRO (2001) NHO 05 - Procedimento Técnico - Avaliação da Exposição Ocupacional aos Raios X nos Serviços de Radiologia”, DISPONÍVEL:

http://www.fundacentro.gov.br/biblioteca/normas-de-higiene-ocupacional/publicacao/detalhe/2013/3/nho-05-procedimento-tecnico-avaliacao-da-exposicao-ocupacional-aos-raios-x-nos-servicos

GOHNET, OMS (2005) “The Global Occupational Health Network Newsletter”, GOHNET Issue No. 8, disponível on-line:

https://www.who.int/occupational_health/publications/newsletter/gohnet8eng.pdf?ua=1

HSE Guia, “Safe handling of cytotoxic drugs in the workplace”, disponível on-line:

http://www.hse.gov.uk/healthservices/safe-use-cytotoxic-drugs.htm

INCA (2015) “Manual de Boas Práticas - Exposição ao Risco Químico na Central de Quimioterapia: Conceitos e Deveres”, Brasil, disponível on-line:

https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//manual-exposicao-ao-risco-quimico.pdf

INRS (2018) “Médicaments cytotoxiques et soignants”, disponível on-line:

M. C Mirabelli, J.-P. Zock, E. Plana, J. M. Anto, G. Benke, P. D Blanc, A. Dahlman-Hoglund, D. L Jarvis, H. Kromhout, L. Lillienberg, D. Norback, M. Olivieri, K. Radon, J. Sunyer, K. Toren, M. van Sprundel, S. Villani, M. Kogevinas (2007) “Occupational risk factors for asthma among nurses and related healthcare professionals in an international study”, Occupational and Environmental Medicine, July 2007 (disponível on-line: https://oem.bmj.com/content/64/7/474.full)

NIOSH (2016) “Preventing Occupational Exposure to Antineoplastic and other Hazardous Drugs in Health Care Settings, National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), DHHS (NIOSH) Publication Number 2016-161, disponível on-line: https://www.cdc.gov/niosh/docs/2004-165/

Em espanhol (versão de 2004): “Prevención de la exposición ocupacional a los antineoplásticos y otras medicinas peligrosas en centros de atención médica”, disponível on-line: https://www.cdc.gov/spanish/niosh/docs/2004-165_sp/

OIT, CIE, OMS e ISP (2002) “Directrices marco para afrontar la violencia laboral en el sector de la salud”, Genebra, OIT, disponível on-line, em espanhol:

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Em inglês:

https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVguidelinesEN.pdf?ua=1&ua=1

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Rodrigues Ferreira, A. et al (2016) “Medidas de Biossegurança na Administração de Quimioterapia Antineoplásica: Conhecimento dos Enfermeiros”, Revista Brasileira de Cancerologia 2016; 62(2): 137-145

Spinelli, R., “Radiação Ionizante – NR 32”, disponível on-line:

http://www.fundacentro.gov.br/Arquivos/sis/EventoPortal/AnexoPalestraEvento/radia%C3%A7ao%20ionizanteporto%20-%20Robson%20Spinelli.pdf

Waters, T.R. (2012) “Introduction to ergonomics for healthcare workers”, Rehabil Nurs.

Wilburn, S. e G. Eijkemans (2004) “Preventing Needlestick Injuries among Healthcare Workers: a WHO–ICN Collaboration”, disponível on-line:

https://www.who.int/occupational_health/activities/5prevent.pdf?u